Estudantes surdos e disléxicos ganharão mais tempo para fazer o Enem

Mudanças no edital que garantem atendimento especializado para atender necessidades dos candidatos também preveem correção diferenciada das redações

O paulista Cláudio da Silva Junior, de 19 anos, se prepara para enfrentar um desafio comum para a maioria dos estudantes do 3º ano do ensino médio como ele: o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ele, porém, ao contrário da maioria, precisa de condições especiais para competir em pé de igualdade com os milhões de candidatos que farão a prova.

Cláudio é surdo. Utiliza a Língua Brasileira de Sinais (Libras) para tudo. Para ele e seus pares, essa é sua primeira língua. O português é apenas o segundo idioma. Isso significa que a compreensão de conteúdos, provas e comandos em língua portuguesa fica prejudicada. Especialmente em provas de seleção.

Na escola onde estuda, o Colégio Rio Branco, em São Paulo, durante as aulas e nas provas, ele e os colegas surdos – que estudam em classes regulares – recebem apoio especializado. Uma intérprete de Libras os acompanha o tempo todo. No Enem, esse tipo de apoio também pode ser solicitado. Além disso, eles terão tempo a mais para fazer as provas.

As regras para atendimento diferenciado para candidatos deficientes têm se aprimorado, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Este ano, o edital deixou bem claro que, além dos alunos com deficiência física, auditiva e visual que, em geral, podem solicitar atendimento especial, outros grupos serão contemplados.

Pela primeira vez, as regras do exame orientam estudantes com dislexia, hiperativos e autistas, por exemplo, a pedir ajuda especial dos organizadores do exame. Todos têm direito a auxílio de um profissional ledor e transcritor, podem solicitar tempo a mais para fazer as provas e suas redações serão corrigidas sob critérios diferenciados de avaliação.

“Ao longo de sucessivas realizações do exame, o processo de eliminação de barreiras e de provimento de serviços profissionais especializados e de recursos de acessibilidade vem se aprimorando”, afirma o órgão. Para quem usufrui do atendimento, são essas peculiaridades que garantem a igualdade de condições.

Para Cláudio, o ideal seria que, além de serem distribuídas escritas na língua portuguesa, as provas fossem gravadas em Libras e ficassem disponíveis em notebooks ou tablets. “O aluno surdo poderia fazer a prova em seu tempo, retomando o vídeo quando necessário”, diz. A colega Andrezza Santos Gomes, 17 anos, acrescenta: “a seleção dos tradutores-intérpretes também precisa ser mais criteriosa”, avalia.

Direito

O atendimento diferenciado em provas de seleção é um direito de todas as pessoas com deficiência. De acordo com o Decreto nº 5.296/2004, esses jovens têm direito a instrumentos, equipamentos ou tecnologias adaptados para favorecer a autonomia deles. As ferramentas têm de ser solicitadas no momento da inscrição.

Após a solicitação, funcionários do Inep telefonam para cada candidato, confirmando os pedidos feitos pela internet. É nesse momento que os estudantes podem solicitar também tempo adicional para fazer as provas. Essa é mais uma possibilidade prevista em lei (no Decreto nº 3298/1999). No Enem, esses candidatos ganham uma hora a mais.

Nos casos de dislexia e déficit de atenção, por exemplo, quem não solicitar auxílio extra pode pedir mais tempo para resolver os itens por questões pedagógicas. Vale lembrar que é preciso comprovar, com laudos médicos, as necessidades especiais.
Andrezza e Cláudio dizem que a maior dificuldade que enfrentam é mesmo a compreensão dos comandos e dos itens em língua portuguesa. Por isso, gastam muito mais tempo que outros alunos para preencher todas as questões.

Correção

As dificuldades com a linguagem também serão consideradas este ano na correção das redações, segundo o Inep. Os mecanismos de avaliação dos textos de participantes surdos ou com deficiência auditiva são coerentes ao aprendizado da língua portuguesa como segunda língua. Para os disléxicos, as características linguísticas de quem possui esse transtorno também são levadas em conta.

Os estudantes do Colégio Rio Branco também elogiam a medida. “Se isso não acontecer, certamente ocorrerão equívocos na correção, por desconhecimento da escrita dos surdos”, comenta Andrezza.

Confira trechos do edital:

“2.2 O PARTICIPANTE que necessite de atendimento DIFERENCIADO e/ou de atendimento ESPECÍFICO deverá, no ato da inscrição:

2.2.1 Informar, em campo próprio do sistema de inscrição, a necessidade que motiva a solicitação de atendimento de acordo com as opções apresentadas:

2.2.1.1 Atendimento DIFERENCIADO: oferecido a pessoas com baixa visão, cegueira, deficiência física, deficiência auditiva, surdez, deficiência intelectual (mental), surdocegueira, dislexia, déficit de atenção, autismo, gestante, lactante, idoso, estudante em classe hospitalar ou outra condição incapacitante.

2.2.2 Solicitar, em campo próprio do sistema de inscrição, o auxílio ou o recurso de que necessita, em caso de atendimento DIFERENCIADO, de acordo com as opções apresentadas: prova em braile, prova com letra ampliada (fonte de tamanho 24 e com figuras ampliadas), tradutor-intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras), guia-intérprete, auxílio ledor, auxílio para transcrição, leitura labial, sala de fácil acesso e mobiliário acessível.”

Fonte: IG