O segredo da comunicação de situações de perigo entre peixes está na condroitinaA hipótese: Os peixes sentem “cheiro” de perigo, e talvez os humanos também sintam.
Os investigadores: Ajay Mathuru e Suresh Jesuthasan, do Instituto de Ciências Biomédicas de Cingapura.
Quando um peixe se fere, os outros que estão nas proximidades podem partir em disparada, ficar parados, amontoar-se, nadar até o fundo ou saltar da água. O cardume sabe que há um companheiro ferido. Mas como?
Na década de 1930, o famoso etólogo Karl von Frisch observou esse comportamento em peixinhos. Ele levantou a teoria de que os peixes, quando feridos, liberam uma substância que é transmitida pelo cheiro e causa inquietação no cardume. Contudo, von Frisch nunca chegou a identificar a composição química da substância. Ele simplesmente a chamou de “schreckstoff”: “coisa assustadora”.
O “schreckstoff” é um antigo mistério biológico, mas pode ser que pesquisadores tenham acabado de solucionar parte dele. Em um estudo publicado em fevereiro no periódico Current Biology, o neurocientista Suresh Jesuthasan, da Faculdade do Instituto de Ciências Biomédicas de Cingapura, junto a seus colegas, isolou moléculas de açúcar conhecidas como condroitina a partir do muco presente no exterior do corpo do peixe-zebra.
Eles descobriram que quando essas moléculas são decompostas em fragmentos, como possivelmente ocorre quando a pele do peixe sofre um ferimento, e se misturam à água, elas despertam a inquietação de outros peixes. Em baixas concentrações da substância, os peixes estudados no experimento ficaram “levemente perturbados”, contou Jesuthasan. Em altas concentrações, eles pararam totalmente de se movimentar e ficaram parados no mesmo lugar por pelo menos uma hora.
Jesuthasan e seus colegas também mostraram que os neurônios presentes no bulbo olfativo desses peixes se ativaram quando foram expostos aos fragmentos do açúcar. Em certo sentido, os peixes parecem “sentir o cheiro” do ferimento.
O trabalho pode vir a ter implicações amplas para a compreensão do medo e do pânico vivenciado por outros animais, e talvez por humanos, afirmou a neurocientista Lisa Stowers, do Instituto de Pesquisa Scripps, que não teve envolvimento com a pesquisa. Os pesquisadores há muito se esforçam para encontrar maneiras melhores de ajudar pacientes cronicamente propensos a sentir pânico ou ansiedade.
O medo pode ser uma ferramenta útil para um animal individualmente. Mas ele é ainda mais útil para que um animal seja capaz de comunicar a sua inquietação – rapidamente – para outros de sua espécie. Muitos animais inferiores parecem depender do cheiro para fazê-lo. Contudo, surpreendentemente, sabe-se pouco sobre as substâncias utilizadas por eles, ou sobre como elas são produzidas e percebidas.
Os sinais de alarme mais conhecidos são utilizados por abelhas e formigas. A abelha-europeia libera uma mistura de compostos após uma picada.
Um dos principais componentes da mistura é uma molécula chamada acetato de isopentilo, que causa inquietação no enxame.
“A formiga-de-cupim libera compostos conhecidos como ácido fórmico e n-undecano para sinalizar um momento de perigo às suas companheiras”, contou Jesuthasan. “As formigas que detectam essas substâncias químicas param de se movimentar, balançam as antenas e, em seguida, começam a se movimentar rapidamente. Se avistam um inimigo, elas ficam agressivas. A reação exata depende da proporção das substâncias químicas.”
Quando o corpo do ouriço-do-mar é esmagado, ele libera determinadas substâncias. Esses compostos fazem com que os outros ouriços-do-mar fujam. Foram observadas reações similares em caracóis marinhos, tunicados e girinos. Porém, ainda não se conhece a natureza química desses sinais, acrescentou Jesuthasan.
Em um artigo publicado em 2008 na revista Science a neurocientista Marie-Christine Broillet, da Universidade de Lausanne, na Suíça, identificou o sistema responsável por detectar sinais de alarme nos camundongos: algumas centenas de neurônios, chamados de gânglio de Grüneberg, que ficam na ponta do nariz do animal. Mas Broillet não identificou as moléculas sinalizadoras – “é um grande desafio científico”, segundo ela.
Os fragmentos de condroitina podem despertar medo no coração do peixe-zebra, e talvez até mesmo no de outros peixes, mas talvez não signifiquem nada para outros animais.
“Os feromônios do medo tendem a ser específicos de cada espécie”, esclareceu o neurocientista Ajay Mathuru, que trabalha no laboratório de Jesuthasan. Os animais precisam “enviar sinais de alerta para os seus amigos”, e não “derrotar o inimigo”, acrescentou, embora existam exemplos de predadores que se beneficiam do pânico das presas.
As diferenças de habitat entre os animais podem indicar a necessidade de diferentes tipos de moléculas sinalizadoras, disse o biólogo evolucionista Marcus Stensmyr, do Instituto Max Planck de Ecologia Química, na Alemanha. Os fragmentos de condroitina, que são relativamente grandes, não viajam pelo ar da mesma forma que pela água, o que pode limitar sua utilidade para os animais terrestres. Em humanos, a ideia de que os feromônios provocam medo e outras reações ainda é controversa.
“Noventa e nove por cento dos cientistas provavelmente não acreditam que os seres humanos possuem feromônios”, disse o Dr. Murali
Doraiswamy, professor de Psiquiatria do Centro Médico da Universidade Duke, embora as pesquisas em torno do assunto “ainda estejam em um estágio incipiente”.
Os sinais visuais, pensamentos e lembranças certamente desempenham um papel mais importante na geração do medo como comportamento em humanos.
“Mesmo que pulverizemos uma substância que sinaliza medo em alguém, se essa pessoa enxergar com os próprios olhos que não tem nada acontecendo, ela não vai reagir da mesma maneira que um peixe reage”, disse Doraiswamy.
No caso dos peixes-zebra, o bulbo olfativo tem uma estreita ligação anatômica com uma área do cérebro chamada habênula, que também pode desempenhar um papel central na sinalização do medo, explicou Jesuthasan.
Em uma pesquisa anterior, ele e seus colegas perturbaram a sinalização na habênula do peixe e mostraram que isso fez com que eles ficassem mais propensos a agir de modo “impotente” perante a iminência de um choque elétrico. Os peixes cuja sinalização na habênula sofreu perturbações demonstraram “uma reação exageradamente medrosa”, relatou Jesuthasan.
Nos humanos, o papel da habênula é muito debatido. A polêmica decorre em parte do fato da estrutura ser pequena e estar situada no fundo do cérebro, tornando-a difícil de estudar com o uso de ressonância magnética funcional. Ela tem implicações em muitos tipos diferentes de comportamento, incluindo estresse, dor, ansiedade, aprendizagem e reprodução, disse Stowers. Porém, até o momento, “a função dela ainda é um mistério”.
Mesmo assim, as áreas cerebrais envolvidas no novo estudo sobre o peixe-zebra podem vir a lançar luz sobre os circuitos neurais relacionados ao medo, mesmo que essas reações sejam desencadeadas por outros sinais além do cheiro. Além disso, o grupo de Jesuthasan isolou moléculas capazes de disparar o alarme na ausência de outros sinais. Segundo Stowers, trata-se de um passo importante.
Agora, os pesquisadores sabem como “ativar, assinalar e estudar os circuitos neurais envolvidos nas reações de medo de uma forma inédita”, disse ela.
Fonte: IG