Entre irmãos, é preciso aprender a dividir as coisas e saber controlar a raiva e a frustração
Quase todo caçula já ouviu de seu irmão mais velho a história de que foi encontrado na lata do lixo pelos pais. São comuns algumas maldades na relação entre irmãos, assim como crises de autoestima, ciúmes, picuinhas e, claro, competitividade. “Irmãos sempre acreditam que o outro é mais beneficiado, fantasiam que um é adotivo, o outro não”, conta Magdalena Ramos, terapeuta especializada em família. Com tantos problemas, pais vão à loucura na hora de criar os filhos, principalmente porque inúmeros mitos os cercam, mas a verdade é que muitas vezes eles tendem a querer evitar situações que são da natureza dos irmãos: eles brigam, competem e se amam.
A autora do livro “E agora o que fazer? A difícil arte de criar os filhos” começa quebrando o maior de todos os mitos: o de que é possível criá-los igualmente. Isto não é verdade, pois os filhos são diferentes e, portanto, cada um desenvolve uma relação diferente com cada um dos pais. “Às vezes um é mais carinhoso, então você provavelmente responde a este comportamento da mesma forma. Outros são mais retraídos, fechados, e então você vai ao seu encontro de outra forma afetiva. Não é nem ruim, nem bom: é diferente e os pais não podem se sentir culpados ou desconfortáveis por isso”, diz Magdalena Ramos.
Rosa Maria Coutrin, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre a Sociedade, Família e Escola da Universidade Federal de Ouro Preto, acrescenta: “as disputas são importantes para o crescimento dos filhos, mas dentro de certos limites. É preciso estabelecer regras que mantenham a rivalidade em um nível saudável”. Estas normas são atitudes que fazem com que a convivência seja melhor e que estimulem a boa socialização.
Como fazer para que a relação fraternal não vire uma relação acirrada é que é a questão. Confira, a seguir, as respostas a algumas questões na hora de se criar mais de um filho.
Devo dar as mesmas coisas para os meus filhos?
Pais devem ser justos, não podem fazer distinções: devem presentear os dois com coisas que tenham o mesmo teor, a mesma medida econômica, mas não necessariamente iguais. Se um ganhar uma bicicleta mais incrementada, o outro deve receber algo significante para a sua idade, recomenda Magdalena Ramos.
Rosa Maria Coutrin faz uma ressalva: “Aprender a dividir as coisas e saber controlar a raiva e a frustração são dois exemplos”.
É saudável praticar atividades extracurriculares juntos?
Às vezes um filho sente ter seu espaço invadido quando o irmão começa a praticar as mesmas atividades. Por isso, a psicanalista Magdalena Ramos propõe que se pratiquem atividades em locais distintos, de forma que cada um seja dono de seu espaço e tenha seu próprio desenvolvimento, com seu próprio professor. “Assim não ficam a toda hora se olhando e se comparando”, aconselha a psicóloga.
Como lidar quando o desempenho de um é melhor que o de outro?
Claro que sempre gostaríamos de ter filhos ótimos, que sejam bons em tudo, mas isso não é uma realidade e, geralmente, alguns mostram desempenhos melhores que outros. Deve-se atentar, nesses casos, para não tirar o mérito daquele que não mostra dificuldades e tentar ajudar o que não consegue ir tão bem. “Não há muito o que se fazer além disso. Cada um é cada um e os pais devem aceitar esta diferença”, alerta Magdalena Ramos.
A psicóloga da UFMG Delba Barros recomenda manter as expectativas e as cobranças sob controle, principalmente, evitar comparações. Se o irmão mais velho passa no vestibular, é natural que o mais novo se sinta pressionado a ser aprovado também. Mas os pais devem tranquilizá-lo e tentar diminuir essa pressão para que ele não se sinta desestimulado.
O comportamento dos pais influencia em como os irmãos se relacionam?
Tudo tem a ver com a postura dos pais: quando estão tranquilos e bem posicionados quanto a como lidam os filhos, estes percebem, mas cedo ou mais tarde, que as diferenças de tratamento que sentem têm mais a ver com eles do que com a realidade. É uma questão de dinâmica familiar.
Os pais funcionam como modelo para os filhos: se os pais são competitivos, não há como os filhos não o serem. Já quando a relação do casal é mais pacífica, o modelo funciona para as crianças. Na maioria das consultas realizadas por Magdalena Ramos, o buraco sempre se mostra ser mais em baixo, e volta para a própria relação do casal.
Como lidar com diferenças de sexo e idade?
Há casos específicos na questão de diferentes tratamentos. Com casais de irmãos, por exemplo, é comum que a mãe se ligue mais ao filho e o pai à filha, por motivos que só Freud explica. Porém, é importante que os pais, em alguma colocação dos filhos, reconheçam essa diferença para que os filhos não se sintam desqualificados. “Eles devem dizer neste aspecto você tem razão, eu pisei na bola”, recomenda Magdalena Ramos.
Outra situação é a diferença de idade: quando muito distante, torna-se difícil para os pais lidarem, pois as demandas serão diferentes. “É uma situação trabalhosa: quando um quer ir ao teatro, o outro nem engatinha. Felizmente, hoje os homens partilham mais a educação das crianças e então pais podem se dividir melhor para dar atenção aos filhos com idades distantes”.
Segundo o especialista Maycoln Teodoro, gestos simples, como convidar o irmão mais velho a ajudar a cuidar do mais novo logo que o bebê chega à família, ajudam a desenvolver um sentimento de cuidado e proteção na criança, estimulando o companheirismo e a cooperação entre os irmãos desde cedo.
Mais uma vez, o diálogo se faz extremamente importante. “Os pais devem conversar sempre com o mais velho, perguntando como está a vida agora e mostrando sempre o carinho por todos os filhos, apesar da maior atenção necessária ao recém-nascido”, frisa Maycoln.
Já quando a diferença de idade é pequena, diminui a relação de cuidado ou de tutorado, e a questão da competitividade é mais delicada. No entanto, a passagem do tempo tende a ser um fator equalizador das relações. “Da mesma forma que o conflito diminui conforme aumenta a distância de idade entre irmãos, à medida que vão crescendo e são mais capazes de lidar com as próprias emoções, a competição tende a se amainar”, diz o professor. Magdalena concorda: “Conforme crescem, as diferenças são menos agudas e as crianças já podem juntar turmas de amigos para brincarem à sua moda”.
E quando são três filhos?
Entre três filhos, a situação não é melhor. Para a terapeuta Magdalena Ramos, o trio é também bem complicado: fazem-se alianças e as realidades nem sempre são muito equilibradas. Ainda, quando há três irmãos, o do meio acaba sendo problemático, pois tem dificuldades de encontrar seu espaço. O mais velho será tido como o modelo, o menor costuma ser mais protegido, e a atenção que ele tinha até certo momento de repente se focaliza no último. Fica um campo meio neutro em que ele não sabe como se encontrar, como se definir entre essas duas polaridades. Portanto, frequentemente, o que apresenta certa dificuldade é o filho do meio. Mas, novamente, a questão sempre voltará para como os pais lidam com a situação e que equilíbrio constroem em casa.
Quando chega o momento de procurar ajuda?
Pais relutam muito em consultar terapeutas, pois acham que para tanto precisam ter um grande problema em mãos. Não é bem assim. Provavelmente, em poucos encontros com um profissional, pode-se identificar pequenos problemas que permitem à família sair de situações disfuncionais.
“O ser-humano está muito acostumado a tolerar o sofrimento. Algumas pessoas esperam as últimas consequências para irem ao médico, outras não, se cuidam antes. Com o aspecto psicológico é ainda pior: as pessoas inventam que as coisas vão passar por isso ou por aquilo, decidem que se saírem de férias ou se o pai trabalhar menos a situação vai melhorar. Até pode ser, mas melhora apenas dentro de um esquema, pois se há um problema disfuncional, permanecerá assim. As férias não acabam com problemáticas”.
Tudo está na dinâmica familiar: os filhos são um reflexo do que acontece como um todo. “As situações são distorcidas: o filho é apenas o foco do problema, o que conseguem ver e os deixa incomodados”.
Texto: Beatriz Montesanti e Meghie Rodrigues
Fonte: Educar para Crescer