Se ter amigos é bom, ter inimigos é útil – Valentim Fernandes

Dois amigos, um bastante gordo e outro magro, estavam caçando em uma perigosa floresta.

Eis que de repente, surge diante deles um enorme e feroz urso. O medo e o susto foram tamanhos, que abandonaram as armas e se puseram a correr. O amigo magro, rápido e ligeiro subiu numa árvore, mas o gordo não pôde fazer o mesmo. Não tendo alternativa, deitou-se sob a mesma árvore e fingiu-se de morto, suspendendo até a respiração.

O enorme urso chegou perto dele, cheirou o seu corpo, parando por mais tempo em seus ouvidos e achando que ele estava morto, seguiu adiante.

Enquanto isto, o amigo magro, bem protegido na árvore, torcia pelo amigo infeliz lá embaixo.

Depois que o urso se foi, desceu da árvore e perguntou ao gordo: – O que o urso lhe disse nos ouvidos?

Respondeu o gordo: – Disse que um amigo de verdade, jamais abandona o outro nas horas difíceis.

Diz o dito popular que conhecemos os verdadeiros amigos nas horas de dificuldades. Sem dúvida nenhuma aí está contida uma grande verdade. São nesses momentos que percebemos a dimensão exata dos sentimentos daqueles que conosco convivem, se a amizade é verdadeira e sincera, ou é aquela que não ultrapassa os limites da superficialidade.

No entanto, aqueles que nos abandonam nos momentos difíceis são de fundamental importância em nossas vidas. É com eles que temos a possibilidade de adquirir algumas qualidades que nos levam ao crescimento espiritual, como a paciência e a tolerância entre outras. Esses não chegam a serem inimigos, mas não podem ser considerados amigos de verdade.

Se não tivéssemos a oportunidade de passar por estes testes, como nos conheceríamos? Daí a utilidade de sofrermos decepções e de até termos inimigos em nossos caminhos. Embora seja muito mais gostoso conviver com os amigos, com aqueles que não nos abandonam em nenhuma circunstância, as adversidades dos relacionamentos são essenciais para o nosso amadurecimento espiritual. Se os amigos alimentam o nosso ego, muitas vezes acobertando os nossos defeitos, aqueles que não nos são simpáticos, ou que não nutrem por nós simpatia, nos mostram aquilo que realmente somos, ou melhor, aquilo que realmente precisamos saber a nosso respeito.

Um inimigo acaba se tornando útil, quando, para não dar motivo a ele de agir contra nós, redobramos os nossos cuidados e consequentemente erramos menos. Amigos, mesmo aqueles que são sinceros e nos dizem o que estamos fazendo de errado ou que precisa ser melhorado, o fazem com tanta delicadeza para não nos magoar que acabamos nem dando o devido crédito. Quando “exageram” na sinceridade, já não os consideramos mais amigos.

Santo Agostinho na questão 919, de O Livro dos Espíritos (Allan Kardec), nos adverte quando diz: “Não negligencieis a opinião dos vossos inimigos, porque eles não têm nenhum interesse em disfarçar a verdade e geralmente Deus os colocou ao vosso lado como espelho, para vos advertirem com mais franqueza que o faria um amigo”.

Esse estar ao nosso lado (o inimigo) tem como objetivo provocar em nós mudanças capazes de levar-nos ao conhecimento de nós mesmos e a partir daí, buscar a nossa renovação interior, afinal como dizia o Marquês de Maricá “os nossos inimigos contribuem muito mais do que se pensa para o nosso aperfeiçoamento moral. Eles são os historiadores dos nossos erros, vícios e imperfeições”.

 


Valentim Fernandes. Reside na cidade de Matão e é espírita desde 1989. É presidente do conselho deliberativo e diretor de doutrina do Centro Espírita Allan Kardec. Realiza palestras nas cidades da região sempre abordando temas do Evangelho.