Contam as tradições populares da Índia que existia uma serpente venenosa em certo campo. Ninguém se aventurava a passar por lá, receando-lhe o assalto. Mas um santo homem, a serviço de Deus, buscou a região, mais confiado no Senhor que em si mesmo. A serpente o atacou desrespeitosa. Ele dominou-a, porém, com o olhar sereno, e falou:
– Minha irmã, é da lei que não façamos mal a ninguém.
A víbora recolheu-se envergonhada. Continuou o sábio o seu caminho e a serpente modificou-se completamente. Procurou os lugares habitados pelos homens desejosa de reparar os antigos crimes. Mostrou-se integralmente pacífica, mas desde então, começaram abusar dela. Quando lhe identificaram a submissão absoluta, homens, mulheres e crianças davam-lhe pedradas. A infeliz recolheu-se à toca, desalentada. Vivia aflita, medrosa, desanimada. Eis, porém que o santo voltou pelo mesmo caminho e deliberou visitá-la. Espantou-se, observando tamanha ruína. A serpente contou-lhe, então, a história amargurada. Desejava ser boa, afável e carinhosa, mas as criaturas perseguiam-na. O sábio pensou, pensou e respondeu após ouvi-la:
– Mas, minha irmã, ouve um engano da sua parte. Aconselhei-te a não morderes ninguém, a não praticares o assassínio e a perseguição, mas não te disse que evitasses assustar os maus. Não ataques as criaturas de Deus, nossas irmãs no mesmo caminho da vida, mas defende a tua cooperação na obra do Senhor. Não mordas, nem firas, mas é preciso manter o perverso à distância, mostrando os seus dentes e emitindo os teus silvos. (Da obra Os Mensageiros, ditado pelo Espírito André Luiz, através do médium Francisco Cândido Xavier).
Quando vemos o nosso dia a dia invadido pela a onda de violência, que assola o nosso país, ficamos a pensar no que poderia ser feito para que esta situação fosse modificada.
Em O Livro dos Espíritos, obra básica da codificação espírita, na questão 796, Allan Kardec perguntou aos Espíritos Superiores:
– A severidade das leis penais não é uma necessidade no estado atual da sociedade?
E os Espíritos responderam:
– Uma sociedade depravada tem certamente necessidade de leis mais severas. Infelizmente essas leis se destinam antes a punir o mal praticado do que a cortar a raiz do mal. Somente a educação pode reformar os homens, que, assim, não terão mais necessidade de leis tão rigorosas.
Interessante notar da resposta dada pelos Espíritos a necessidade de se atingir as causas do erro e não simplesmente a punição. Para aqueles que cometem erros que transgridem as leis humanas e as Leis Divinas, naturalmente devem de ser aplicadas penalidades, mas que essas sejam motivos de aprendizados para que não incidam novamente em atos que possam causar prejuízos aos seus semelhantes. Todas as almas são perfectíveis e possíveis de educação, devendo percorrer os mesmos caminhos e chegar da vida inferior à plenitude do conhecimento, da sabedoria e da virtude.
Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada (a educação) o homem terá no mundo hábitos de ordem e previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos penosamente os seus dias, sem necessidade de “mostrar os dentes”, tampouco de leis severas, porque o que irá predominar será a paz e não a violência, o bem e não o mal. Pois como diz Paulo Freire, “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda”.
Valentim Fernandes. Reside na cidade de Matão e é espírita desde 1989. É presidente do conselho deliberativo e diretor de doutrina do Centro Espírita Allan Kardec. Realiza palestras nas cidades da região sempre abordando temas do Evangelho.