Cientistas flagram "alquimia biológica" de bactéria da hanseníase

Equipe conseguiu captar, pela primeira vez, microrganismo transformando neurônios em células-tronco. Técnica pode agilizar pesquisa em medicina regenerativa

Pela primeira vez, um grupo de pesquisadores britânicos flagrou o momento em que uma bactéria infecciosa dá início à uma espécie de “alquimia biológica”, transformando parte do corpo do organismo hospedeiro em outra parte que atenda melhor suas necessidades.

O estudo, publicado na revista científica Cell e liderado por uma equipe de cientistas de Edimburgo, na Escócia, mostrou uma bactéria causadora de hanseníase transformando neurônios em células-tronco e musculares.

Os autores dizem que a técnica “inteligente e sofisticada” pode agilizar a pesquisa sobre terapias e células-tronco.

Os especialistas descreveram a descoberta como “surpreendente”.

Cientistas já tinham conseguido realizar uma “alquimia biológica” em laboratório antes, transformando células da pele em células-tronco, que têm o poder de se transformar em qualquer outra parte do corpo, como células do coração ou cérebro.

Um dos pesquisadores, o professor Anura Rambukkana, disse: “As células do nosso corpo podem ser manipuladas. Por que as bactérias não se aproveitariam disso?”

Mestres da manipulação

Para conduzir o experimento, os cientistas usaram camundongos que tiveram neurônios infectados com a bactéria da hanseníase.

Após algumas semanas, a bactéria começou a transformar os nervos de acordo com a sua própria conveniência. A composição das células mudou e elas se tornaram células-tronco.

Mas, ao contrário dos neurônios, que são estáticos, essas células cresceram e se espalharam pelo corpo.

“Trata-se de uma célula-tronco que é gerada pelo tecido do próprio corpo para que o sistema imunológico não a reconheça e ela pode ser usada sem ser atacada”, disse Rambukkana.

Esse tipo de célula também pode se alojar dentro dos músculos e se transformar em células musculares.

“No momento em que vimos isso acontecer, achamos algo bem surpreendente”, acrescentou o pesquisador.

“É a primeira vez que constatamos ao vivo uma bactéria infecciosa criando células-tronco.”

Alquimia

Rambukkana espera que as descobertas possam aumentar o conhecimento sobre a hanseníase e leve a novos caminhos de desenvolvimento de células-tronco – que se tornaram a “menina dos olhos” da medicina por seu potencial de se transformar em outras células e, assim, ajudar no tratamento de várias doenças.

O pesquisador também acredita que é “provável” que outras espécies de bactéria possam ter a mesma habilidade de reprogramar o seu hospedeiro.

Segundo o professor Chris Mason, especialista em pesquisa de células-tronco na Universidade College London, no Reino Unido, “a habilidade da bactéria de converter um tipo de célula de um mamífero em outra é “uma verdadeira alquimia” da natureza, só que em grande escala”.

“Embora essa descoberta surpreendente tenha sido baseada em um experimento com um rato, ela destaca a extraordinária complexidade das interações entre mamíferos e bactérias bem como a engenhosidade dos cientistas para descobrir mecanismos da doença que, uma década atrás, teria sido algo restrito à ficção científica”, disse Mason.

“O próximo passo essencial é traduzir essa parte valiosa de conhecimento em benefícios tangíveis para os pacientes. Mas esse processo pode levar uma década antes de sua relevância para a medicina clínica ser totalmente compreendida”, acrescentou.

Para Rob Buckle, diretor de medicina regenerativa do Medical Research Council, “essa descoberta é importante não só para a nossa compreensão e tratamento da doença bacteriana, mas para a medicina regenerativa, que vem evoluindo rapidamente nos últimos anos.”

Fonte: IG