‘Hotel da loucura’ recebe hóspedes dentro de hospital psiquiátrico

Localizado no Instituto Nise de Silveira, no Rio de Janeiro, o hotel oferece hospedagem a médicos, artistas e pesquisadores que queiram conviver com os pacientes. A ideia é promover a arte como tratamento, assim como levantar a bandeira da inclusão

Hotéis não faltam no Rio de Janeiro. Mas um deles, localizado no bairro do Engenho Novo, na Zona Norte, não está preocupado em oferecer piscina, vista para o mar ou luxo para seus hóspedes. Trata-se do “Hotel da Loucura”, localizado em uma enfermaria abandonada no terceiro andar do Instituto Nise da Silveira. Lá artistas, pesquisadores e médicos podem se hospedar para conviver com pacientes ainda internados por problemas psiquiátricos. O objetivo? Promover não apenas uma reflexão cultural e científica sobre o tema da loucura, mas também acabar com o estigma da doença mental.

“Nós não tratamos doentes, nós convivemos com pessoas”, explica o idealizador do projeto, Vitor Pordeus. O médico, coordenador do Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio, conta que o Hotel da Loucura funciona desde 2012 (apesar do projeto ter se iniciado em 2011), quando recebeu um Congresso da Universidade Popular de Arte e Ciência.

O hotel conta com nove quartos com beliche, espaços para reuniões, sala de meditação, de jantar, ateliê e biblioteca. A decoração traz frases que misturam poesia a informações sobre Nise da Silveira, a psicóloga que dá nome ao insituto. A hospedagem de profissionais é gratuita – a contrapartida é uma contribuição criativa do hóspede, seja uma produção cultural externa, que dê visibilidade ao projeto, ou um trabalho com os próprios pacientes. Existe também um trabalho prévio para preparar quem deseja passar por lá: oficinas são oferecidas pela instituição três vezes por semana.

“Acredito que a convivência seja a solução para amenizar os problemas dos pacientes. Já passaram casos severos aqui que tiveram uma enorme melhora clínica através do contato com a cultura”, conta Pordeus. Ele cita o caso de um paciente que sofria de esquizofrenia severa e não conseguia sair ao ar livre e ter contato com outras pessoas. Hoje, essa pessoa consegue participar mais ativamente da sociedade através de peças de teatro. “Essas histórias reforçam o papel do engajamento e do carinho no tratamento. É preciso tornar essas pessoas parte da sociedade, rompendo a relação de dependência”, explica.

O trabalho desenvolvido no Hotel da Loucura é inspirado na luta da médica Nise da Silveira pela humanização no tratamento psiquiátrico. No mesmo local em que, hoje, funciona o Instituto que leva seu nome, ela presenciou pacientes recebendo tratamento por choque e realização de lobotomia, durante as décadas de 1940 e 1950. Discípula de Jung, ela decidiu criar no espaço ateliês de pintura e escultura, oferecendo a criatividade como tratamento. Com as obras resultantes, ela criou o Museu de Imagens do Inconsciente, inaugurado em 1952 dentro do próprio instituto.

A médica se transformou em um dos maiores símbolos pela luta contra a internação forçada, que culminou no Movimento Antimanicomial, inciado nos anos 1980, responsável pela regulamentação de leis que impedem a crueldade no tratamento.

Os preceitos de Nise são seguidos à risca no Hotel da Loucura. Todas as semanas são realizadas oficinas, peças de teatro e, às quartas, os pacientes são levados para caminhar em uma feira livre próxima do local. Durante esses momentos, todos são iguais – não há o médico, o paciente e o visitante.

O objetivo final é promover a extinção de todos os manicômios brasileiros (segundo Pordeus, ainda há 5 instituições no Brasil que realizam práticas como contenção e administração de medicamentos forçados). O Instituto Nise da Silveira, um complexo de 5 mil metros quadrados, idealmente se transformaria em uma Universidade Popular, oferecendo cursos abertos à sociedade.

O que falta para siso, de acordo com Pordeus, é o apoio político. Seus trabalhos são mantidos pela Secretaria Municipal de Saúde – poucos conhecem o trabalho do Hotel da Loucura. Com isso, ainda faltam recursos para promover a causa da inclusão e para receber cada vez mais hóspedes.

Fonte: Revista Galileu por Luciana Galastri