A atual temporada da NFL, a principal liga de futebol americano, os jogadores contam com uma proteção adicional: um neurocientista a postos para avaliar sinais de lesões cerebrais depois de uma pancada na cabeça. Os traumatismos cranianos são problema grave para a NFL. Milhares de jogadores aposentados estão processando a liga por negligência e fraude, alegando que seus dirigentes conheciam os riscos de longo prazo e esconderam a informação.
Os jogadores têm medo de sofrerem encefalopatia traumática crônica (ETC), uma condição que costumava ser chamada de “doença do boxeador”. A ETC causa problemas de memória progressivos, alterações de personalidade e lentidão de movimentos. O problema afeta muitos ex-atletas (por ora, quase todos homens), especialmente boxeadores. Na década de 1980, John Corsellis, do Maudsley Hospital londrino, descobriu que, na ETC, diversas fibras nervosas mostravam sinais de degeneração cerebral generalizada. Além disso, descreveu como vários neurônios estavam cheios de emaranhados de proteína, um dos sinais da doença de Alzheimer.
As lesões cerebrais podem ser causadas pela aceleração rotacional do córtex cerebral em torno do mesencéfalo e da medula espinhal. O tecido do cérebro é quase todo uma grande massa macia, mas os vasos sanguíneos dentro dele são fibrosos e fortes, como fios metálicos atravessando um pedaço de queijo. Quando a cabeça sofre com movimento rotacional, uma de duas coisas podem acontecer: um vaso sanguíneo se rompe, levando à hemorragia, ou o tecido ao redor do vaso sofre uma laceração microscópica. As grandes hemorragias podem causar coma e morte; as lacerações podem ser igualmente nocivas a longo prazo.
Atletas que sofrem frequentes lesões desse tipo na juventude muitas vezes desenvolvem padrões de comportamento característicos: depressão, abuso de álcool e drogas e violência. Todos condizem com lesões subjacentes ao córtex frontal, que controla os impulsos.
É preciso despender esforços significativos em todos os esportes para minimizar os traumatismos cranianos. Quanto ao boxe, mesmo sabendo que serei chamado de estraga-prazeres, defendo sua proibição. Para mim, nada estraga mais prazeres do que mudanças de personalidade, violência, vício e demência. Também acredito que a sociedade é humilhada e diminuída quando as pessoas se divertem assistindo aos outros lutarem. Assim como aconteceu com as execuções públicas, esses espetáculos deveriam ser atirados na lata de lixo da história.
JOHN HARDY é geneticista e biólogo molecular especializado em doenças neurológicas. Leciona neurociência na University College London
Fonte: Revista Galileu