Pesquisadores brasileiros patenteiam composto contra bactéria da febre reumática

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Depois de cerca de 20 anos estudando a Streptococcus pyogenes, capaz de provocar condições como febre reumática e doença reumática cardíaca, pesquisadores brasileiros obtiveram o deferimento da patente nos Estados Unidos de um composto eficaz contra a bactéria, que poderá se transformar em vacina.

De acordo com a pesquisadora Luiza Guilherme, responsável pela pesquisa “Vacina contra o Streptococcus pyogenes: avaliação da modulação da resposta imune em amostras de sangue periférico de indivíduos saudáveis e em pacientes portadores de febre reumática”, que contou com apoio da FAPESP, o documento oficial da patente norte-americana se encontra em fase final de elaboração.

“Já temos patentes concedidas e emitidas na República Popular da China, na Coreia do Sul e no Japão”, disse Luiza Guilherme, do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. De acordo com ela, há um processo em andamento também na Índia para a obtenção da patente do composto. O pedido foi depositado no Sistema Internacional de Patentes (PCT) no Brasil em 2007.

O interesse em uma vacina contra a S. pyogenes é grande, uma vez que se trata de um grave problema de saúde pública. A bactéria é responsável pelo surgimento de infecções comuns em crianças e jovens, como faringite e escarlatina. Em indivíduos com predisposição genética, no entanto, essas infecções podem levar à febre reumática e à doença reumática cardíaca – doenças autoimunes que provocam lesões permanentes e progressivas nas válvulas cardíacas.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano são registrados no mundo 600 milhões de casos de infecção por S. pyogenes e 15,6 milhões de casos de doença reumática cardíaca, com 233 mil mortes.

O desenvolvimento da vacina também integra uma linha de pesquisa do Instituto de Investigação em Imunologia – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (iii-INCT), que tem apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Denominado StreptInCor, o composto desenvolvido no Laboratório de Imunologia do InCor se mostrou eficaz na indução de resposta imune e seguro quando ministrado em animais sadios. Isso significa que a substância desencadeou anticorpos capazes de combater a infecção, sem causar reações autoimunes. Os testes de laboratório para o desenvolvimento de uma vacina já foram concluídos e o grupo do InCor se prepara para iniciar ensaios em humanos.

A formulação final do StreptInCor – a combinação do agente vacinal com hidróxido de alumínio, o composto adjuvante que potencializa a vacina – será realizada em parceria com o Instituto Butantan, dirigido por Jorge Kalil, que também é diretor do Laboratório de Imunologia do InCor e coordenador do iii-INCT.

Potencial terapêutico

Recentemente, as pesquisas indicaram que o composto também tem potencial para uso terapêutico e poderá ser usado no tratamento de indivíduos que desenvolvam doenças sérias como consequência da infecção.

Estudos in vitro com leucócitos de pessoas que manifestaram a doença reumática cardíaca mostraram que o mesmo composto, em dosagem diferente, ativa as células T reguladoras (que controlam a resposta imune, ou seja, a produção de anticorpos e de células T).

“O efeito terapêutico foi avaliado em células de sangue periférico de pacientes com doença reumática cardíaca, e não em modelo animal, por causa da dificuldade de reproduzir a doença em camundongos ou ratos Lewis”, disse Luiza Guilherme.

“Uma vez confirmados esses resultados, poderemos ter um novo tratamento para quem sofre da doença reumática cardíaca”, explicou. A pesquisadora apresentará os resultados dessa etapa da investigação em maio no Congresso da Federação Mundial de Cardiologia, em Melbourne, Austrália.

Os pesquisadores também pretendem estender os estudos em amostras de sangue periférico de pacientes portadores de outras doenças autoimunes, como por exemplo artrite reumatoide.

Caminhos da pesquisa

Os estudos no InCor com a bactéria começaram com a análise dos mecanismos de desenvolvimento dessas doenças e se concentraram na busca de epitopos – fragmentos mínimos da bactéria capazes de induzir uma resposta imunológica ao se ligar aos receptores de uma célula.

A equipe identificou um epitopo com elevado potencial de proteção na proteína M, o principal antígeno da S. pyogenes, localizada na parede externa da bactéria. Parte dos cerca de 450 aminoácidos que constituem essa proteína se organiza de maneira distinta, definindo 250 cepas da bactéria.

Outra parte dos aminoácidos, nos trechos conservados em todas as cepas, permitiu que os pesquisadores encontrassem o epitopo na região chamada C terminal e sintetizassem a sequência de aminoácidos selecionada.

Injetado em diversos animais – entre eles, camundongos transgênicos, que expressam moléculas do sistema leucocitário humano (HLA) de defesa –, o StreptInCor induziu a produção de anticorpos e levou a criação da memória imunológica contra qualquer cepa da bactéria. Depois de um ano de acompanhamento, os animais não apresentaram nenhum efeito deletério no coração nem em qualquer outro órgão.

Seguindo as exigências da legislação brasileira, a vacina terá sua segurança certificada por uma empresa especializada antes do início do teste com humanos. E a equipe deverá ter autorização da Comissão de Ética em Pesquisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para realizar os ensaios. “Concluída essa etapa, testaremos o StreptInCor em voluntários sadios, que serão acompanhados por equipes médica e laboratorial”, disse Luiza Guilherme.

De acordo com a pesquisadora, a busca por uma vacina contra a infecção pela S. pyogenes é feita em apenas dois outros países: Estados Unidos e Austrália. Mas a abordagem da pesquisa brasileira é única.

Nos Estados Unidos, o modelo de vacina cobre cerca de 30 cepas da bactéria. Os australianos também trabalham com uma sequência similar da bactéria, porém menor.

“Quando trabalhamos com uma região maior, desenvolvemos um composto com potencial mais amplo, o que nos leva a grande possibilidade de desenvolver uma vacina universal, efetiva para qualquer cepa e que proteja indivíduos com quaisquer características genéticas”, disse Luiza Guilherme.

A pesquisa rendeu publicações em diversos periódicos científicos. O artigo Analysis of the coverage capacity of the StreptInCor candidate vaccine against Streptococcus pyogenes (doi: 10.1016/j.vaccine.2013.08.043), publicado em 2013 na Vaccine, pode ser lido em http://dx.doi.org/10.1016/j.vaccine.2013.08.043.

O artigo StreptInCor: A candidate vaccine epitope against S. pyogenes infections induces protection in outbred mice (doi 10.1371/journal.pone.0060969v), publicado em 2013 na PLoS One, pode ser lido em www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0060969

O artigo Anti-group A streptococcal vaccine epitope (doi: 10.1074/jbc.M110.132118), publicado em 2011 no Journal of Biological Chemistry, pode ser lido em www.jbc.org/content/286/9/6989.full?sid=32645c67-62f2-4866-bb67-057d3b216cd4#aff-2.

Leia mais sobre a pesquisa em http://agencia.fapesp.br/17291.

Fonte: Agencia FAFESP