GiraDora, a máquina de lavar que quer mudar o mundo

Quebrar o ciclo da pobreza. Essa frase costuma ser repetida sem parar por políticos ávidos não por igualdade social, mas por votos. Longe dos palanques, longe dos jargões políticos, mas muito perto do povo nasceu uma ideia que pode tornar essa frase, se não real, pelo menos viável. E ela surgiu de uma prática que não poderia ser mais corriqueira: lavar roupas. Uma dupla de designers dos EUA foi até uma favela do Peru para entender como a relação das mulheres com a lavagem de roupas de suas famílias desencadeava uma série de fatores que, no final das contas, as perpetuava na miséria. Depois de uma temporada convivendo com essas pessoas, surgiu a GiraDora, uma máquina pensada para famílias de comunidades carentes. E com o objetivo de tirá-las de lá.

Alex Cabunoc e Ji A You estudam design nos EUA. Ele, de produtos, ela de ambientes. Eles tinham uma matéria na faculdade chamada Safe Agua Peru (Peru Água Saudável), em parceria com o Teto, ONG chilena que promove mutirões em favelas para substituir os barracos por casas. A turma toda foi até a favela Cerro Verde, na periferia de Lima, com o objetivo de criar produtos com impacto social.

A cena de mulheres subindo e descendo o morro apinhada de baldes e bacias chamou a atenção da dupla de estudantes. Conversando com as pessoas, eles notaram que o acesso à água era muito precário e que a maioria dos baldes e bacias cheios teriam como fim a lavagem de roupas. Depois da caminhada para conseguir água, elas demoravam uma hora pra lavar todas as peças. Um processo caro, demorado e muito pouco eficiente.

Depois de conversar muito com essas mulheres, eles desenvolveram uma máquina que consome muito menos água, é bem mais rápida e não possui nenhum dos efeitos colaterais do sistema antigo: dor nas costas e lesões no pulso, por exemplo. A GiraDora funciona com um pedalzinho: quanto mais você pedala, mais ela lava – e depois seca, já que ela também é uma máquina de secar.

No vídeo abaixo – em inglês – dá pra ter uma noção dos benefícios da GiraDora.

Alex Cabunoc contou como foi o convívio com os moradores da favela, falou de outras idéias surgidas durante o período em Cerro Verde e de como a transformação social não pode depender de políticos. A expectativa é que, dentro de um ano, a GiraDora esteja presente em várias comunidades da América do Sul. Começando, é claro, pela favela de Cerro Verde:

Quais são os benefícios da GiraDora?

Alex Cabunoc: Ela aborda as dificuldades que giram em torno da lavagem de roupas em um lugar como a favela Cerro Verde. O primeiro benefício é em relação à saúde: ao sentar na GiraDora e bombear o pedal com o pé, você está muito mais confortável do que de cócoras, posição tradicional das mulheres enquanto lavam roupas, causando uma dor crônica nas costas delas. Ouvimos muitas reclamações sobre ficar com a mão submersa na água gelada, especialmente no inverno , além de ser dolorido, prejudica muito a pele – a GiraDora não requer que haja contato com a água. O modo que a GiraDora seca as roupas também dispensa o exercício de torcer as roupas para secá-las. Torcer peças de roupa é um dos principais causadores de tenossinovite nos pulsos.

A GiraDora economiza mais de 68 litros de água por semana. Ao usar menos água no processo, o tempo de secagem é menor. Isso é importante pois impede o crescimento de fungos nas roupas, diminuindo a incidência de casos de asma e outros problemas respiratórios nas crianças da comunidade. Você também pode aproveitar a água que foi utilizada, usando na descarga do banheiro ou para molhar as plantas. O fato de ser portátil permite as mulheres limpar as roupas no lugar que quiserem. A GiraDora não ocupa as mãos – você pode fazer outra coisa enquanto lava as roupas. Descobrimos que ele tem potencial para gerar uma renda extra pra família, um dos primeiros passos para quebrar o ciclo da pobreza.

Você pode explicar a tecnologia básica da GiraDora?

Alex Cabunoc: Usando o pedal, você faz as roupas girarem – basta colocar água e o mesmo sabão em pó que já usamos normalmente. A GiraDora vem com um sistema simples de escoamento, que faz a água suja ir embora enquanto mais água limpa é despejada para enxaguar as roupas. Para secar a roupa, ele funciona como uma centrífuga, quanto mais rápido você pisar no pedal, mas as roupas se agitam e secam.

Uma das coisas que inspirou a GiraDora foi o fato das mulheres passarem o dia todo subindo e descendo o morro em busca de água. Como isso afeta a vida delas?

Alex Cabunoc: Toda água de Cerro Verde é trazida por caminhões. Eles pagam por ela é até 14 vezes mais que o preço da água na cidade. O pior: essa água nem potável é, elas têm que cozinhá-la ou jogar alvejante nela para poderem beber – tornando o processo ainda mais caro. As famílias que moram longe da estrada principal sofrem muito, pois tem que caminhar longas distâncias sempre que o caminhão vem. É uma coisa que toma muito tempo e energia.

Como foi a recepção de uma comunidade pobre da América Latina à uma classe inteira de estrangeiros que apareçam por lá cheio de idéias?

Alex Cabunoc: Quando chegamos lá, cada equipe foi recebido pó uma família anfitriã. Eles foram extremamente receptivos: nós conversávamos muito e a despedida foi bem difícil, mas nós ainda mantemos contato com alguns deles pelo Facebook.

Ficamos lá por duas semanas, dormindo em um pequeno hotel. Nós achamos que dormir na casa deles seria muito invasivo. Toda noite, nós levamos ingrediente para que eles cozinhassem, mas eles eram tão generosos que não usavam o que nós levávamos: eles faziam verdadeiros banquetes para nós, com coisas que não faziam parte do dia a dia deles, por serem muito caras. Cada refeição foi uma honra.

Vocês criaram outras coisas junto com os moradores de Cerro Verde?

Alex Cabunoc: Sim, no final das contas fizemos 6 produtos diferentes. Além da GiraDora, criamos o Balde a Balde a Balde, uma torneira portátil que você acopla em baldes e bacias, levando água corrente para qualquer lugar, Caja Tesoro, uma espécie de vending machine (como aquelas máquinas que vendem latas de refrigerante) de itens populares para que as famílias da comunidade possam conseguir um dinheiro a mais, o Soap Buddy, um tipo de pulseira para crianças, que dispensa o uso de sabonete para limpar as mãos, o Clean + Smart, um sistema de educação baseado em brinquedos que vinha atrás das embalagens de detergente e o Vita Migos, um tablete que, além de dar um sabor gostoso pra água, a torna potável.

Como a reação da comunidade foi moldando a GiraDora até ele ficar com a cara que tem hoje?

Alex Cabunoc: No início, nós mandamos dois protótipos para que a comunidade nos desse um feedback: uma máquina de lavar manual e uma secadora. Imediatamente, as mulheres viram que as duas idéias deviam ser combinadas em uma só. Elas mexeram algumas coisas e criaram uma espécie de protótipo mais ou menos rudimentar da GiraDora: e mesmo esse já as agradou bastante.

No filme Hands In The Mist (em tradução literal, Mãos na Névoa, documentário que mostra a interação entre os designers e os moradores da favela Cerro Verde – e como o Gira Dora foi concebido) dá pra ver que a favela não acredita em ajuda vinda da política tradicional. Tem um homem que diz que a “solução não virá de cima, ela sempre vem de baixo”. Você acha que a ideia da GiraDora vai nesse sentido também?

Alex Cabunoc: A GiraDora é um produto de co-criação. Nós trabalhamos junto com as pessoas que iriam ser afetadas pelo invento. Observamos as pessoas nas favelas, trabalhamos com elas, conversamos com elas. Quando achamos que tínhamos uma ideia que pudesse ajudá-las, mandamos os protótipos e fomos testando. A partir da opinião deles, adaptamos nossa ideia, para que ficasse mais próximo do que eles precisavam. Por isso que nosso projeto deu certo: criamos uma parceria com “as pessoas de baixo” para entender qual o desejo delas.

Para assistir ao vídeo baixe o volume do player da rádio.

 

 

Fonte: Revista Galileu