Um consórcio de 442 cientistas espalhados por três continentes criou a primeira enciclopédia de como funciona o genoma humano , que mostrou que pelo menos 80% do DNA humano, anteriormente considerado inativo (o chamado DNA lixo), participa de pelo menos um processo biológico dentro das células do corpo e que apenas 20 trechos de DNA estão ligados a 17 tipos diferentes de câncer.
O projeto, chamado Encode (sigla em inglês para Enciclopédia de Elementos do DNA), é considerado o maior trabalho sobre genética humana desde o término do Projeto Genoma Humano, em 2003. Foram 30 estudos publicados em seis periódicos científicos diferentes (e até concorrentes), divulgados ao mesmo tempo nesta quarta-feira (5).
O Encode custou quase US$ 200 milhões (mais de R$ 400 milhões) e seu objetivo nada modesto era entender melhor o volume de informações produzido pelo sequenciamento do genoma humano e como ele funciona. “Nós entendíamos apenas uma pequena percentagem do genoma,” disse Eric Green, diretor do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano dos Estados Unidos, que financiou o projeto.
Os elementos do genoma mais conhecidos são os cerca de 21 mil genes que regulam a produção de proteínas dentro da célula. O gene de dopamina comanda a produção dela nos neurônios, por exemplo, e o gene de insulina faz com que as células do pâncreas produzam a substância. No entanto, apenas 1% do genoma trabalha desta maneira, e o desafio do Encode era entender o que o resto do DNA faz – por anos, esta parte do genoma era chamada de “DNA lixo” porque se imaginava que ela era inativa.
Ao fazer esta análise, os cientistas descobriram que 80% do DNA lixo tem pelo menos uma função biológica, que em geral comanda a atividade dos próprios genes. E o conjunto destes trechos de DNA, que chegam a quatro milhões, criam um sistema operacional extremamente sofisticado. “O DNA lixo, na verdade, é quem comanda os genes,” diz Mark Gerstein, da Universidade Yale.
Esta regulação pode influenciar tanto os genes normais quanto suas variantes, causando variados tipos de doenças. Isto acontece porque fatores de transcrição e outros elementos – proteínas produzidas por este trechos do genoma – “passeiam” pelo DNA das células, se ligando aos genes e os ativando e desativando, como se fossem interruptores.
O poder destes elementos pode explicar porque sequenciamentos genéticos simples concluem que pacientes estão sob risco de doenças que nunca aparecem ou ignoram os sinais de doenças que realmente acontecem. Se estes “interruptores” desativam um gene que causa uma doença, ela não aparece, mas se eles alteram um gene saudável, o paciente pode desenvolver uma doença genética que não apareceria em seu sequenciamento.
E este sistema recém-descoberto é bastante complexo: são cerca de quatro milhões de interruptores nos órgãos humanos principais, com 200 mil agindo em cada célula. Além disso, os cientistas descobriram que muitas vezes, estes trechos de DNA estão em longe do gene que controlam, nos cromossomos. Isto acontece em pelo menos 400 doenças cujas variantes genéticas já são conhecidas.
Por conta disso, análises genéticas que focam apenas nos genes, e não nos seus trechos reguladores, podem não compreender todas as causas das doenças.
“Esta descoberta muda como nós compreendemos as bases genéticas das doenças e pode abrir novos caminhos para terapias e remédios,” afirmou John Stamatoyannopoulos, da Universidade de Washington, durante a coletiva à imprensa. Por exemplo, em 17 tipos de câncer diferentes e aparentemente sem relação, os cientistas descobriram que 20 destes fatores regulatórios aparecem repetidas vezes, o que indica que medicamentos que atinjam estas proteínas podem tratar mais doenças de uma vez. O mesmo acontece com doenças como artrite reumatoide, lúpus diabetes tipo 1.
Outro exemplo é a doença de Crohn . Estudos genéticos já identificaram 100 trechos do genoma que afetam o risco de desenvolver a doença autoimune, muito mais do que as farmacêuticas poderiam investigar, disse Ewan Birney, um dos líderes do projeto. Mas são poucos fatores de transcrição que controlam estes trechos, o que facilita muito a procura por modos de silenciar estes genes.
“O Encode está revelando estas conexões desconhecidas entre as doenças,” disse Stamatoyannopoulos.
O periódico Nature, que liderou a publicação dos estudos do consórcio, vai manter os resultados num site gratuito para toda a comunidade científica, em inglês, no endereço www.nature.com/encode e um aplicativo de iPad.
(Com informações da AP e Reuters Health)
Fonte: IG