Em um terreno atrás de uma delegacia na Asa Norte de Brasília um conjunto de prédios baixinhos e ladeados por pequenas estufas produzem soluções para problemas agrários. São sementes de feijão imune a pragas, café resistente à secas e alface com 15 vezes mais ácido fólico, uma vitamina importantíssima para grávidas, tudo isso produzido por uma empresa estatal, a Embrapa Recursos Genéticos Biotecnologia (Cenargen).
No laboratório do Professor Francisco Aragão foi criado o feijão resistente ao mosaico dourado, praga que afeta plantações em todo o Brasil. O feijão carioquinha que saiu de lá foi a primeira variedade geneticamente modificada criada em uma instituição pública de pesquisa brasileira. O fungo gera prejuízo de 90 a 290 toneladas de feijão por ano, com a produção nacional girando em torno de 1,2 milhões de toneladas por ano. As sementes do novo transgênico ainda estão em fase de teste em três regiões do país e o registro da variedade deve sair nos próximos dois anos. Futuramente as sementes serão disponibilizadas para o produtor rural sem a cobrança de royalties.
“Costumo falar para o produtor que se ele estiver desesperado é melhor não me procurar”, ri Aragão, porque o estudo demorou mais de dez anos para ter resultado prático. Aragão afirma que o desenvolvimento de tecnologia transgênica deve ser a última solução para um problema, por causa do tempo que leva para ficar pronto.
Os pesquisadores da Embrapa modificaram o DNA do feijão para que ele produzisse fragmentos de RNA responsável pela ativação de defesa contra o vírus do mosaico dourado. “A planta não transgênica chega a produzir estes fragmentos de RNA do vírus para bloqueá-lo, mas isso só acontece quando o vírus já está instalado”, explicou. O novo processo faz com que as plantas transgênicas já tenham o RNA pronto para se defender da praga.
De acordo com o pesquisador países do Caribe e a Argentina demonstraram interesse em usar o feijão, mas mais testes precisam ser feitos, pois o vírus da praga nestes países é um pouco diferente do brasileiro.
A Embrapa também tentou desenvolver algo semelhante do que foi feito com o feijão, só que com tomates. Porém existem mais de 24 espécies da fruta e seria necessário criar resistência a múltiplas espécies de pragas. O projeto não andou.
Café forte
A poucos passos do laboratório que desenvolveu o feijão, o biólogo Eduardo Romano trabalha no desenvolvimento de plantas resistentes a secas.
O estudo começou analisando o genoma do café, sequenciado em 2007. Naquela época eles analisaram quais dos 30 mil genes da planta se expressavam quando o café passava por períodos de seca. Chegaram a cinco genes, e os pesquisadores optaram por introduzir o gene CAHB12 em outras plantas. Agora eles estão introduzindo o gene em plantas como a soja, algodão, trigo e arroz.
“Esperamos ter variedades comerciais em cinco anos”, disse Romano, pesquisador da Embrapa que coordena o projeto em parceria com a UFRJ.
A equipe também sequenciou o genoma da palma, espécie de cactos comestível. Eles descobriram quais foram os genes expressados durante período de seca e estão introduzindo os genes em plantas modelo. “Ainda precisamos validar o quanto de água vamos economizar com a planta modelo”, disse.
Romero lembra que de acordo com a ONU, 70% da água usada no mundo é utilizada em agricultura e que de acordo com estimativas da própria ONU, até 2030 será necessário aumentar em 50% a produção de alimento no mundo.
Alface bombada
Ainda no laboratório de Aragão, está saindo da horta uma variedade de alface com 15 vezes mais ácido fólico. A falta desse nutriente durante a gestação pode causar má formação do tubo neural (explicar o que é) do feto. No Brasil, estima-se que 1,6 nascidos em mil tenham problemas na má formação.
“Alteramos passos da rota metabólica destas plantas. Elas estão prontas, mas ainda precisam de ensaio de biossegurança”, afirma Aragão. De acordo com os pesquisadores 12 gramas da alface equivalem a 70% do que uma pessoa adulta precisa ingerir de ácido fólico por dia. “Da planta transgênica seria necessário comer a quantidade presente em um sanduíche por dia. Já da planta normal seria preciso comer dois pés de alface”, disse.
Os pesquisadores também criaram uma variedade com sete vezes mais ácido fólico e pretende cruzar as duas variedades, para entender se isso traz ainda mais aumento de vitaminas na planta. Atualmente, o Brasil fortifica a farinha com ácido fólico, porém dificilmente a quantidade é uniformizada no produto. A alface da Embrapa seria a solução deste problema.
Fonte: IG